No
limite
No
limite. É assim que muitos professores encaram seu dia a dia: no limite da
compreensão, no limite da paciência, no limite da saúde física e mental. A
rotina estressante da profissão gera desmotivação, cansaço, angústia,
irritabilidade e muitos outros problemas.
O
motivo engloba várias causas: carga horária excessiva, cobrança por melhor
desempenho, salas de aula lotadas, escolas com infraestrutura inadequada, baixos
salários, falta de tempo para atualização e capacitação. Além disso, alunos
mal-educados e pouco interessados na aprendizagem, e famílias distantes. Ou
seja, uma situação alarmante e que resulta em quadros lastimáveis para a
educação. Professores são agredidos por alunos, e vice-versa, dentro da escola.
Diante disso, o que pode ser feito para que o limite não seja
extrapolado?
Para
Maria do Carmo Rezende Procaci Santiago, professora da Escola Municipal Estados
Unidos, do Rio de Janeiro (RJ), que é docente há 39 anos, é imprescindível que
os estudantes recebam na escola orientações sobre princípios morais. “A
conscientização a respeito dos valores éticos e morais propicia ligação entre a
escola e a vida. Particularmente, sinto falta, em meus alunos, dos valores
morais. É uma lacuna que não poderia existir”, afirma. Ela conta que procura
trabalhar o tema constantemente com seus alunos. “Antes de mais nada, valor
moral pode ser definido como ‘respeito à vida’, não apenas à vida individual,
mas à vida coletiva”, comenta. E completa: “a falta desse tipo de orientação
contribui, e muito, para o desrespeito na escola em toda s as formas:
desrespeito entre aluno e professor, entre aluno e direção, entre aluno e
funcionário, e entre os próprios alunos”.
O
clima de desrespeito, que gera a violência na escola, tem sido uma das
principais causas que levam os professores a viverem com a saúde física e
emocional no limite. Maria do Carmo acredita que os vários tipos de agressão
(verbal e física) a que o professor está sujeito, na própria escola, exerce
forte influência na sua qualidade de vida e em seu trabalho. “É comum ouvirmos
reclamações sobre as questões salariais, mas e as [questões] morais? Como ter
educação sem resolver isso?”, questiona.
O
professor Israel Marcos Guimarães, que leciona Matemática e Física, é uma das
vítimas dessa violência. Guimarães está de licença após, segundo ele, ter
sofrido uma agressão por um aluno do ensino médio, na Escola Estadual Capitão
Alberto Graf, que fica em Caieiras, na Grande São Paulo. Professor há dois anos,
Guimarães lamenta o ocorrido e conta que não pretende voltar a dar aulas. “Tenho
medo. Penso em deixar a educação”, revela. O professor conta que no dia 29 de
maio, durante a aplicação de uma prova, o aluno (acusado da agressão) não quis
seguir a sua orientação para guardar todo o material. O professor então retirou
a prova do estudante que, por sua vez, o atacou verbalmente, com palavrões e
xingamentos. “Aí ele pegou a mesa [carteira] e jogou em minha direção. Mesmo
desviando, acertou minha perna”, relembra o docente. Guimarães registrou Boletim
de Ocorrência (B.O.) e desde então vem recebendo atendimento psicológico. “Não
me sinto pronto para retornar à sala de aula, ainda estou chocado”, ressalta. O
aluno acusado de agressão pelo professor teria problemas de comportamento, e é
descrito por ele como alguém com perfil violento; o aluno foi encaminhado à
escola pela Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente),
de São Paulo. “Esse aluno, em geral, não está se adaptando à sala de aula
comum”, considera o professor. Ele ainda reclama que a escola não lhe deu apoio
imediato, demonstrando preocupação inicialmente com o aluno. “Meu sonho sempre
foi ser professor, mas chega num ponto que você pensa: será que vale a pena?”,
indaga.
A
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo está acompanhando o caso. O aluno
envolvido foi suspenso, conforme prevê o regimento escolar.
Violência
A
violência na escola é um dos fatores que mais geram insegurança. Segundo a
pesquisa “Violência nas escolas: O olhar dos professores”, divulgada no mês de
maio deste ano pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São
Paulo (Apeoesp), 44% dos professores ouvidos responderam já ter sofrido algum
tipo de violência em sua unidade escolar, sendo considerado violência desde
agressão verbal (39%) a bullying (6%)
e agressão física (5%), e 57% dos professores ouvidos consideram as escolas
violentas. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Data Popular, entre os dias
18 de janeiro a 5 de março deste ano, com 1.400 professores, em 167 cidades do
Estado de São Paulo.
Para
a presidenta da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha, o índice de professores
que sofreram algum tipo de violência preocupa. “São muitos os professores que
vêm sendo agredidos. Além disso, é alarmante constatar que os casos de violência
viraram uma questão corriqueira”, enfatiza. Ela também lamenta o fato de que,
segundo mostra a pesquisa, em 95% dos casos os alunos são os responsáveis pela
violência. “Eu atribuo tudo isso à retirada da autoridade do professor, que hoje
é tratado como um ‘nada’. Mas ele é uma autoridade sim, é detentor de
conhecimento, do saber que forma gente, que forma a sociedade”, ressalta Maria
Izabel.
A
pesquisa revela, ainda, que cerca de 40% dos professores que participaram do
levantamento lecionaram em mais de um turno em 2012 e 58% lecionam mais de uma
matéria. Além disso, 84% dos professores ouvidos têm conhecimento sobre casos de
violência nas escolas que lecionaram em 2012. Para os professores ouvidos na
pesquisa, a falta de educação, de respeito e de valores estão entre as
principais causas da violência nas escolas, e 35% deles acreditam que os pais
devem ser os principais colaboradores para a redução da violência. “Diante dessa
perda da autoridade do professor, deve haver compromisso da família no ato de
educar. Temos debatido isso. O que não pode é jogar essa responsabilidade nas
costas do professor”, alerta a presidenta da Apeoesp. Ela adverte que a escola
deve chamar a família para participar do cotidiano escolar, mas não para as
festividades. “A família deve ser convocada para discutir a questão da
aprendizagem, do ensino e do comportamento, das atitudes dos alunos. Isso vai
deixar os pais mais interessados porque se trata de compromisso com a qualidade
da educação”, afirma.
O
levantamento também apontou medidas que ajudariam na diminuição da violência
escolar: 28% dos professores acreditam que promover debate sobre violência seria
uma ação favorável; 18% apontam a necessidade de atuação de profissionais de
suporte pedagógico; 16% consideram investimento em cultura e lazer como uma
medida importante e 15% defendem o policiamento nas áreas no entorno da escola.
Outras medidas também foram apontadas, por um percentual menor de docentes, como
gestão democrática nas escolas e a redução do número de alunos por
sala.
Maria
Izabel defende uma atuação mais efetiva dos conselhos escolares. “A comunidade
escolar está nele [no conselho]. A escola tem que ser uma célula viva de debate
e não uma agenda fria que se estabelece no início do ano. A cada situação, a
escola deve chamar o conselho para discutir o que fazer. O conselho deve assumir
uma agenda mais viva, permanente, e deve levantar pautas. Esse é o compromisso
de todos”, considera.
No
limite
O
cenário que compõe o dia a dia escolar acaba gerando graves problemas para
muitos professores, que acabam vivendo sob estresse permanente. Em 2012, a
pesquisa “Professores no limite: O estresse no trabalho do ensino privado do Rio
Grande do Sul” mostrou que os docentes estão adoecendo. O estudo foi publicado
pela Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Rio Grande do
Sul (Fetee/Sul), e realizado com base em pesquisa feita em 2008, pelo
Departamento Intersindical de
Estudos
sobre Saúde nos Ambientes de Trabalho (Diesat), e aprofundamento dos dados da
pesquisa feito por profissionais do Programa de Pós-graduação de Psicologia da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo (RS), em 2011.
A pesquisa buscou identificar a relação entre as condições de trabalho e a saúde
dos mais de 35 mil professores que atuam da educação infantil ao ensino superior
do ensino privado no Estado.
Segundo
a professora Janine Kieling Monteiro, doutora em Psicologia e uma das autoras da
publicação, os fatores de adoecimento que mais se destacaram na pesquisa foram
sobrecarga de trabalho e dificuldade de lidar com os alunos. “No primeiro caso,
o problema está relacionado à quantidade excessiva de atividades que o professor
tem que executar hoje em dia, sobretudo no período extraclasse. Em relação aos
alunos, as dificuldades surgem porque eles têm menos limites e educação [modos
de comportamento] do que anos atrás, e menor motivação para estudar, já que hoje
têm mais disponibilidade de informações”, comenta Janine.
A
pesquisa revelou, segundo Janine, um índice considerado muito alto de estresse
entre os professores – 58,4% no grupo estudado. Comparado a outras profissões
avaliadas, em outros estudos que utilizaram o mesmo instrumento de pesquisa, o
índice de estresse dos professores é o maior: 47,4% em policiais militares de
Natal (RN) e 47% em bancários de Pelotas (RS). Janine explica que o nível de
estresse é dividido em quatro etapas: alerta, resistência, quase-exaustão e
exaustão. “A fase de estresse que predominou foi a de resistência, etapa em que
estão 50,5% dos professores entrevistados”, explica a professora. Os sintomas
que mais se destacaram foram cansaço excessivo e tensão muscular. “Na fase da
resistência, existe um aumento acima do normal na capacidade de funcionamento do
organismo, o qual busca se reequilibrar, utilizando-se de grande energia, o que
pode gerar a sensação de desgaste generalizado sem causa aparente e dificuldades
com a memória, entre outras consequências”, adverte a pesquisadora.
Para
minimizar os níveis de estresse, Janine orienta que o professor deve procurar
ajuda. “Pedir ajuda tanto para a escola como para os colegas – para maior apoio
em suas atividades, por exemplo. Também fazer contato com amigos e familiares, a
fim de dividir as dificuldades. Quando necessário, buscar ajuda de um
profissional de saúde”, sugere. Ela comenta que as doenças que geralmente
aparecem nesses casos são as psicossomáticas: doenças do coração, problemas de
coluna, LER/Dort, problemas na voz.
Outro
dado alarmante da pesquisa é que 83% dos professores disseram frequentar o
trabalho mesmo doentes. “Trabalhar doente diminui consideravelmente o desempenho
do profissional, o que pode comprometer a qualidade do seu trabalho e agravar
ainda mais a sua saúde”, alerta Janine.
Situações
diversas, que geram um clima de insegurança para o professor, sem dúvida afetam
o desempenho em sala de aula. De acordo com Janine, aparece nesse cenário o fato
de o docente não saber lidar com os alunos de hoje em dia, “que têm menos
respeito pelo professor e, muitas vezes, até o ameaçam em sala de aula, além da
insegurança de se manter no emprego, caso não ‘agrade’ tanto esse
aluno”.
Prevenção
Medidas
preventivas deveriam envolver amplo debate sobre a saúde física e mental dos
professores, envolvendo escolas, sindicatos e comunidade em geral, buscando
levantar possibilidades conjuntas para promoção de saúde e melhorias nas
condições de trabalho, considera a professora Janine. “Qualidade de vida é tudo,
se um trabalhador sente-se ameaçado e/ou cobrado quase todo o tempo fica difícil
ter qualidade naquilo que ele faz. Há uma necessidade humana de poder realizar
as atividades no trabalho com tempo e ‘clima’ viável para isso”, diz. E
completa: “o professor está sentindo que sempre fica devendo algo, pois falta
tempo para realizar tudo o que precisaria fazer para ter mais qualidade no seu
trabalho”. Janine ainda observa que outro aspecto preocupante é a remuneração
do professor, “que podia ser mais alta, pois, em muitos casos, ele trabalha em
mais de uma escola para poder dar conta de suas despesas”.
A
forma de reverter esse lamentável quadro, na opinião da professora Janine, é dar
voz e apoio aos docentes. “É necessário ouvir mais os professores, a fim de
buscar alternativas conjuntas para reverter a situação”, observa. Ela aponta
ainda outras medidas que podem ser eficientes: desonerar o professor de algumas
funções que são mais da área administrativa, que podem ser realizadas por uma
equipe de apoio; promover atividades que visem aproximação efetiva entre alunos
e professores; reconhecer e valorizar o trabalho dos professores, o que pode
facilitar o convívio e tornar o ambiente laboral mais agradável e com menos
fatores estressantes.