Ética
A exclusão política e a imprensa
Em ano de eleição surge, em diversos campos das humanidades, uma discussão sobre a interferência dos meios de comunicação no processo político brasileiro
por Clóvis de Barros Filho
Em ano de eleição surge, em diversos campos das humanidades, uma discussão sobre a interferência dos meios de comunicação no processo político brasileiro. Há mais de três décadas, os pesquisadores de Comunicação acumulam evidências das estratégias políticas que os grupos privados de comunicação operam para beneficiar partidos com orientação neoliberal e reacionária, e outros tantos pesquisaram os efeitos do discurso midiático na escolha eleitoral. Os problemas éticos da mídia ficam em evidência.
Em 2006, eu participei de uma pesquisa, junto com Vladimir Safatle e Marcelo Coutinho, sobre o uso das novas mídias na campanha presidencial. Virei uma referência na área de Mídia e Política, mas nunca tive respostas para algumas inquietações sobre o assunto, por exemplo:
– Se a mídia influencia tanto a população, e defende políticos reacionários, por que não há um engajamento social nos partidos de direita?
- Se atualmente a mídia tem mais ganhos políticos, sociais e financeiros do que na ditadura, por que ela critica o processo democrático?
– Se há uma superexposição dos temas eleitorais nos jornais, por que temos uma alienação política significativa da população?
Até pouco tempo achei que morreria sem ter essas respostas até que, por obra do destino (ou do habitus social), me deparei com uma brilhante pesquisa feita, em 1996, pelo cientista da Comunicação Pedrinho Guareschi, intitulada “A representação social da Política”.¹ Sua larga pesquisa qualitativa de recepção com moradores da cidade de Porto Alegre constatou um amplo discurso sobre a percepção social da Política, categorizada da seguinte forma: Manipulação/dominação, falta de educação, alienação, coisa ruim/sujeira e desilusão/injustiça. Todos esses discursos eram consonantes com as opiniões dos jornais impressos, televisivos e radiofônicos.
Uma análise profunda da ideologia contida nesses discursos revelou as estratégias sociais de controle da população operada pela classe dominante. Frases como “cada povo tem o governo que merece”, “a população troca voto por dinheiro ou comida” ou “o povo é ignorante e vota em qualquer um que faz promessas” deslocam a culpa dos políticos e das falhas do nosso sistema de representação para a população. Se o governo é ruim ou corrupto, é culpa da população, e não do sistema ou dos governantes. Quando há problemas de corrupção, os jornalistas e humoristas jogam a culpa na classe pobre que é considerada “burra” e mau-caráter por aceitar e depender dos “programas sociais” levados a cabo pelo Estado. Defendem a ideia ingênua de que o “voto” purifica ou contamina uma sociedade, ocultando assim os interesses espúrios que mantêm esse sistema e que dão poder aos donos dos meios de comunicação.
Deslocar os problemas do País para a população “ignorante e corrupta” serve como justificativa social compartilhada para encobrir a culpa das classes dominantes. Porém, esse argumento é tão absurdo que se torna difícil de sustentar a todo momento. Além disso, sempre haverá pessoas boas que serão eleitas e que não vão conseguir mudar o sistema. Afinal, muitas vezes professores, sacerdotes ou médicos idôneos são eleitos. Enquanto assessor concursado do Senado, eu conheci muitos políticos honestos, em todos os partidos, que tentavam fazer um bom trabalho. Os corruptos, que dominavam as altas esferas da máquina política, eram minoria. Mas, então, por que os políticos honestos não conseguiam apoio social para mudar o sistema?
Os donos dos meios de comunicação, pertencentes à classe dominante, operam uma nefasta estratégia discursiva de agendamento temático. Eles só noticiam coisas ruins da vida política, como corrupção, ineficiência, atraso dos parlamentares. Transformam a Política no oitavo pecado capital e, propositalmente, não noticiam as inúmeras conquistas sociais que acontecem na Política. Por esse motivo, não mostram o trabalho dos políticos sérios. Não é à toa que 70% dos políticos mais bem avaliados pelas ONGs Transparência Brasil e Voto Consciente não se reelegeram. O discurso padrão dos meios de comunicação desarticula e desencoraja todos os dias com ideias como: “o poder corrompe”, “a Política suja todos os que participam dela”, “não existe político honesto, são todos safados”, “só aprontam”, “tudo acaba em pizza”.
Todos os dias se opera uma velada orientação ideológica para deslegitimar a participação da população na vida política, bem como qualquer esperança de mudança. Quando a população se revolta e vai para as ruas protestar, a mídia rapidamente condena as manifestações. Associam os revoltosos a baderneiros, criminosos que atacam propriedades privadas e públicas, vândalos que incentivam a violência contra policiais ou ingênuos que acham que podem melhorar o transporte público do País. Quanto maior a pressão pública sobre o sistema político, maior é a violência simbólica desferida contra o povo pelos meios de comunicação.
Para os meios de comunicação só existem governos e políticos bons nos países europeus ricos, onde a população é branca, abastada e tem estudo. Estados que constroem suas riquezas explorando países pobres e em desenvolvimento como o nosso.
1 GUARESCHI, P. A representação social da Política. In: GUARESCHI, P. et al. Os construtores da informação: meios de comunicação, ideologia e ética. Petrópolis: Vozes, 2000
Após a leitura do artigo acima, e levando em consideração os últimos acontecimentos políticos de nosso país, intimamente ligados a nossa cidade, pense em estratégias pedagógicas que possa utilizar em sala de aula para politizar nossos alunos, e propor o debate sobre a influência da mídia na política.
Bom trabalho!